O dia 21 de março de 1960 foi marcado pelo Massacre de Shaperville, ocorrido em Johanesburgo, na África do Sul, quando uma manifestação pacífica foi transformada em grande matança. Policiais do Estado abriram fogo contra os participantes de uma passeata, resultando em 69 mortos e 186 feridos. Na época, os negros daquele país só frequentavam espaços permitidos e eram obrigados a exibir um passaporte em escolas, supermercados, banheiros e outros espaços públicos.
Da frase “Aqueles que não podem lembrar o passado, estão condenados a repeti-lo” (A Vida da Razão, de 1905. George Santayana) nasce uma reflexão sobre as lições que deveriam ser aprendidas e apreendidas no espaço-tempo das sociedades, dos erros corrigíveis, da prevenção às injustiças e das atrocidades a serem evitadas e punidas.
As perversidades sempre estiveram presentes na história da humanidade, materializadas na escravidão de povos, no extermínio de etnias e civilizações, na imposição de guerras, num ciclo que se repete em tempo diferentes. Como causas e consequências dessas crueldades, estruturou-se o racismo, sob a crença e a bandeira defendidas por diversos interesses, sejam econômicos, sociais, políticos, religiosos etc., da existência de diferentes raças humanas e também de que umas são superiores às outras.
No Brasil, segundo o Atlas da Violência, estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em 2017 indica que, de cada 100 pessoas assassinadas, 71 eram negros (mulheres e jovens) e, dos 10% da população com maior probabilidade de serem mortos, 78,9% correspondiam a negros.
Esses dados decorrem de séculos de escravidão e de seus resultados após a libertação dos escravos e que deram origem a diversas formas de hostilidade a um invólucro do corpo humano. Muitas vezes, isso é revelado na forma de discriminação no âmbito econômico, nos espaços físicos e na participação política, em um processo obscuro de segregação, com manifestação de preconceito, de teorias da inferioridade e incapacidade.
No combate ao racismo, inúmeros movimentos e grupos nasceram no Brasil, atuando para importantes conquistas jurídicas como a Lei Afonso Arinos, de 1951, que proíbe qualquer tipo de discriminação racial no País. As vitórias se intensificaram após a Constituição Federal de 1988, que categorizou o racismo como crime inafiançável e imprescritível e, em 1989, com a “Lei Caó”, que tipificou as transgressões resultantes da rejeição de raça e cor.
Na busca pela construção de processos de reparação das dívidas sociais causadas por mais de 300 anos de escravidão, de igualdade de direitos e oportunidades, as Leis nº 10.639/03 e nº 11.645/08 merecem destaque por terem viabilizado o ensino da diversidade cultural no Brasil. Ainda enquanto êxito, podemos citar a Lei das Cotas (12.711/12), que inclui o fator étnico-racial como critério para a reserva de vagas em instituições de ensino superior, e a Lei nº 12.990/14, que destina 20% das vagas de concursos públicos para negros.
Observamos que em nosso País muitos caminhos, ao longo dos Séculos XX e XXI, foram trilhados, porém, ainda estamos atravessando uma extensa jornada para a extirpação do racismo em nossa sociedade, já que isso significa uma verdadeira e profunda mudança comportamental. Mas como combater essa ou quaisquer outras formas de preconceito? A resposta é muito complexa e envolve várias dimensões – econômicas, sociais, culturais etc. No entanto, acredito ser imprescindível uma decisão individual, de agir, de não deixar a ação somente nas mãos do outro, de não esperar por um “herói”, de compreender que todos nós fazemos a história.
A Educação é um dos caminhos para combater a intolerância, o ódio, a violência e as barbaridades. Não apenas a educação formal, mas a que vem de casa. É necessário acabar com a máxima “não é problema meu”, ao mesmo tempo em que é preciso formar cada vez mais pessoas comprometidas com o presente, buscando transformá-lo instintivamente. Com o conhecimento das lições que nos apresentam o passado, podemos mudar o tempo/espaço presente e o futuro, além de termos a consciência de que nossa ação deve ser ética, crítica, comprometida, acolhedora e universal.
Renato da Anunciação Filho
Reitor do Instituto Federal da Bahia